Resolução de conflitos

Os trabalhos no âmbito da execução do cadastro predial - essencialmente voltados para a identificação e demarcação dos prédios e a prova da titularidade do respetivo direito, tocam em aspectos sensíveis. Nomeadamente, na incerteza em relação aos direitos, devido entre outros ao sistema de duplo registo, registo matricial para efeitos fiscais e registo predial para efeitos de publicidade, a não obrigatoriedade do registo predial, a falta de credibilidade das matrizes prediais, a cultura de transmissões imobiliárias, inter vivos e mortis causa, com vício de forma e as fragilidades legais e administrativas das justificações previstas legalmente e dos processos de retificação de áreas. O trabalho de formalização será assim essencial durante a Operação, contribuindo para clareza em relação à titularidade dos prédios, mas podem também surgir conflitos sobre direitos ou em relação aos limites de parcelas, entre privados, mas também privados e entidades públicas, ou entre o Estado e Município.

Tendo em conta a morosidade da justiça, durante a operação de execução do cadastro deve ser dada preferência aos mecanismos extrajudiciais ou alternativos para resolução dos conflitos emergentes do direito de propriedade e outros direitos reais secundários sobre bens imóveis, em detrimento dos ditos meios tradicionais, os meios judiciais. A Constituição reconhece que a justiça é administrada pelos tribunais judiciais e pelos órgãos não jurisdicionais de composição de conflitos. A publicação das leis de mediação e arbitragem cabo-verdianos ocorreram no âmbito da execução do Plano Estratégico do Ministério da Justiça para os anos de 2003- 2005, “Promoção de Direitos Humanos, Cidadania e Justiça”. O Ministério da Justiça tem-se comprometido sucessivamente em criar e promover o uso da mediação e a formação de mediadores, como forma de assegurar o acesso dos cidadãos à justiça e ao direito.

Para além dos benefícios no contexto geral de acesso à justiça e na manutenção da paz social, os mecanismos alternativos permitem que os conflitos, geralmente dispendiosos em termos económicos, de desgaste de energia mental e emocional, este último em especial nas relações de convivência duradoira, sejam uma oportunidade para incremento da autonomia da vontade e do empoderamento.

A incerteza em relação aos direitos poderá surgir logo após a publicitação da operação de execução do cadastro, muitos com origem na deficiente informação jurídica, incluindo em relação ao quadro legal que rege as questões patrimoniais do casamento/união de facto, aliado por vezes, a uma insuficiente perceção das mensagens de comunicação e sensibilização.

Tendo em conta as evidências recolhidas na fase de preparação da operação e na fase de aquisição dos dados cadastrais, as contradições e conflitos devem ser identificados, registados, tipificados e encaminhados para a sua adequada resolução. Todas estas tarefas serão realizadas pelo BackOffice e pelo Gabinete de Apoio.

Assim, se as questões identificadas forem de incerteza perante as evidências recolhidas, os titulares devem ser encaminhados para ao atendimento jurídico, no Gabinete de Apoio, para que possam realizar os procedimentos necessários a formalização ou regularização do respetivo direito, em especial as pessoas em situação de vulnerabilidade. Prevê-se que, pelo menos nas áreas urbanas consolidadas, estes sejam os casos mais frequentes.

Contudo, havendo conflito entre duas partes em relação a um prédio, a EE deverá encaminha-los para mediação de conflitos ou arbitragem. É certo que alguns casos, por não ficarem resolvidos por via do aconselhamento jurídico/formalização ou mediação de conflitos, possam ter de recorrer a tribunal.

Os litígios concernentes a disputa de direitos sobre os imóveis são, em primeira instância, da competência dos Tribunais de Comarca, ou seja, tribunais judiciais de primeira instância, com exceção de recurso de decisão arbitral em que as partes deverão recorrer ao tribunal de segunda instância, competência essa exercida pelo Supremo Tribunal de Justiça. A maioria dos conflitos emergentes da execução do cadastro dificilmente terão um valor que contenha dentro da alçada dos tribunais de 1ª e 2ª instância, podendo ser recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de última instância.

O regime jurídico de resolução alternativa de conflitos é regulado pelos seguintes diplomas legais:

  • Decreto – lei n.º 31/2005, que regula o uso da mediação na resolução de conflitos e pelo Decreto-lei n.º 30/2005, que cria os Centros de Mediação, ambos de 9 de Maio,
  • Decreto – Lei n.º 62/2005, de 10 de Outubro, que cria as Casas de Direito
  • Lei n.º 76/VI/2005, de 16 de Agosto, que regula o uso da Arbitragem
  • Decreto – regulamentar n.º 8/2005, de 10 de Outubro, que regula a criação dos Centros de Arbitragem
  • Decreto - Lei nº 40/2010, de 27 de Setembro, que define os princípios fundamentais e as normas que regem a conduta dos Mediadores da Instituição de mediação no exercício de suas funções.

A Lei nº. 30/2005, de 9 de Maio, regula o exercício e a prática da mediação através dos centros de mediação, estruturas oficiais ou particulares de mediação, que disponibilizam aos interessados o acesso à mediação como forma de resolução alternativa de litígios. Os centros têm como objetivo estimular a resolução preliminar de litígios por acordo das partes. Compete aos centros de mediação a promoção de resolução de conflitos que lhes são submetidos através de mediadores devidamente inscritos na lista oficial de mediadores, assegurando a coordenação e o apoio administrativo destes profissionais. Todos os centros dispõem, por lei, de um regulamento interno em que se especifica a natureza e os tipos de litígios que podem ser submetidos à apreciação, as regras de procedimentos a utilizar, os princípios e regras aplicáveis à mediação, bem como os encargos a suportar, incluindo os honorários dos mediadores e os encargos administrativos.

O âmbito do Decreto - Lei n.º 31/2005, de 9 de Maio, lei que regula o uso da mediação, é amplo, abrangendo todas as situações em que os direitos sejam disponíveis. O tratamento dos distintos aspetos que regulam o procedimento de mediação são tratados de forma indiscriminada, valendo para todos os campos de direito em que se inclui o âmbito da lei em questão. Excluí do seu âmbito de aplicação as matérias de natureza falimentar, fiscal, as referentes ao Estado e capacidade das pessoas e as que se relacionam com a fazenda pública. Nestes termos, os conflitos referentes à terra podem ser encaminhados para a resolução por via dos Centros de Mediação, com exceção dos conflitos que envolvam o Estado.

O referido diploma legal oferece as garantias mínimas do procedimento de mediação: confidencialidade, imparcialidade, equidade, informalidade, celeridade, autonomia da vontade, respeito, cooperação, boa – fé, voluntariedade e Auto composição dos litígios.

O procedimento de mediação oferece também como garantia o facto de o acordo valer como título executivo extrajudicial.

Atualmente com exceção dos serviços ofertados pela Casa de Direito, não existem Centros de Mediação no território nacional. As Casas do Direito, reguladas pelo Decreto - Lei nº 62/2005, de 10 de Outubro, são entidades criadas na dependência do Ministério da Justiça, vocacionadas para promover o acesso à justiça e ao direito, garantindo, nomeadamente, a informação e consulta jurídica.

Contudo, durante o processo de execução de cadastro predial, as Casas do Direito podem funcionar como entidade habilitada para o uso da mediação na resolução de conflitos emergentes.

Outro mecanismo que a lei dispõe para resolução de conflitos é o procedimento de arbitragem. A arbitragem é regulada pela Lei n.º 76/VI/2005, de 16 de Agosto, e trata - se de um processo em que as partes confiam voluntariamente a resolução do conflito que os divide a um tribunal arbitral neutral integrado por um ou mais árbitros escolhidos por eles ou pelo centro de arbitragem a que se recorreram. O procedimento caracteriza - se pela flexibilidade, voluntariedade e confidencialidade. Pode ser requerido a qualquer momento pelas partes, e pode ter por objeto um litígio atual - compromisso arbitral - ou litígios eventuais emergentes de uma relação jurídica contratual ou extracontratual - cláusula compromissória

A convenção de arbitragem deve estar reduzida a escrito ou constar de documento assinado pelas partes ou troca de cartas, telex, telegramas, correio eletrónico ou outros meios de telecomunicações e implica a renúncia das partes em se dirigirem ao tribunal judicial para a resolução do conflito. A arbitragem é realizada por um tribunal arbitral integrado por um ou mais árbitros, sempre em número impar, escolhidos pelas partes ou pelo Centro de Arbitragem. Se o número de árbitros não foi fixado na convenção de arbitragem ou em escrito posterior assinado pelas partes, o tribunal é composto por três.

O Centro de Arbitragem deverá dispor de lista de árbitros para o efeito. É de seis meses o prazo para a decisão, se outra coisa não resultar do acordo das partes.

Atualmente em Cabo Verde não existem, para além do Centro de Arbitragem da Câmara de Comercio de Barlavento/Agremiação Empresarial, instituição de arbitragem através da qual se promove e realiza arbitragens voluntárias institucionalizadas, outros Centros de Arbitragem. Assim sendo, é pouco expectável que a arbitragem seja massivamente utilizado na resolução de conflitos sobre a propriedade. Contudo, pode ser o mecanismo apropriado para resolução de conflitos envolvendo o Estado e os Municípios.

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